24 de dezembro de 2006

Ana Júlia e “Os Donos do Poder”

Há duas semanas atrás eu estive no apartamento da futura governadora do Pará. Eu vi e ouvi o quanto ela falou de pressão política. Ana Júlia chegou dizer uma frase que marcou a conversa: “o Pará parece que tem muitos donos”.

Na hora eu lembrei do Raimundo Faoro (foto ao lado).

Lembrei porque eu tinha 19 anos quando eu li pela primeira vez “Os Donos do Poder”. A primeira leitura não foi tão deglutida. Mesmo assim ficou o carimbo na minha cabeça que aquilo que eu tinha acabado de ler era um clássico sociológico.

Quem trabalha na área de Ciências Sociais, ainda mais em se tratando de Brasil, tem obrigação de conhecer “Os Donos do Poder", escrito pelo Faoro, gaúcho da cidade de Vacaria (bem lembrado pelo gremista Paulo Heineck). Muitos argumentam, com toda a razão, que o estilo do Faoro é muito rebuscado, empolado, com parágrafos enormes e escritos por mero deleite intelectual do autor, etc, etc. Tudo bem. Mas a análise do patrimonialismo brasileiro, oriunda das cortes portuguesas, lá da origem dos "patrícios" - uma beleza de utilização das categorias analíticas de Max Weber, que dos três porquinhos, para meu gosto é mais completo e realista - é simplesmente genial.

Por isso que realmente Faoro marcou minha vida acadêmica. Reli em 1992 e depois em 1994 num grupo de estudo de leitura que iniciou no meu mestrado do NAEA com um grupo de amigos (Paulo Mogno, Roberto Louchard, Willian Gama e Fernando Camacho). Mas antes de tudo isso, eu e o meu amigo e camarada José Maria Quadros de Alencar fizemos um documento em 1987 para o VIII Congresso do PCB que mesclava Antônio Gramsci, Max Weber, Karl Marx, Raimundo Faoro e Sérgio Buarque e dizíamos que era com esses autores e não apenas com Marx que tínhamos suportes teóricos para entender o Brasil e o Pará. É claro que nosso documento foi desaprovado pelo conjunto da militância leninista do finado Partidão.

E o que Faoro tratou?

O curso despótico tomado pela Coroa portuguesa lançou uma maldição sobre todo o processo civilizatório brasileiro. É deste pesadelo que Raymundo Faoro, morto aos 78 anos, tratou em seu livro clássico onde a interpretação que se dá a história do país pesa mais do que bitola dos fatos. O estamento burocrático, via patrimonialismo (confusão proposital do público pelo setor privado), sobrepôs-se aos direitos civis sufocando iniciativas e deixando os indivíduos sem direitos diante do Estado.

De Montesquieu, por exemplo, Faoro parece ter herdado, mais do que a aversão ao despotismo e a crença nas virtudes civilizatórias do doce comércio, a pretensão de "abarcar, num lance geral, a complexa, ampla e contraditória realidade histórica". A afinidade é eloqüente, sobretudo se tivermos em mente o objeto declarado das preocupações de Montesquieu ao escrever "O Espírito das leis" : investigar nada menos do que os fundamentos de todas as instituições, em todos os tempos e de todos os povos do planeta. No caso de Faoro, o gigantismo do empreendimento toma a forma de uma regressão quase infinita ao passado. Quanto mais recuamos no tempo, maior será a nossa capacidade de detecção de um momento, evento ou circunstância matricial, da qual todo o devir não faz senão atualizar e repor sob novas roupagens. Trata-se afinal, de considerar "um longo período, que vai do Mestre de Avis a Getúlio Vargas, (e que) valoriza as raízes portuguesas de nossa formação política".

Por fim eu queria dizer que Faoro sugere que sua afinidade eletiva para com a obra de Weber é, ainda, expressão de um afastamento com relação ao marxismo, já que para ele trata-se de "sustentar a autonomia de uma camada de poder, não diluída (em) uma infra-estrutura esquemática". Mais do que Weber, Faoro pensa ter estabelecido com maior força a presença dos clássicos da Ciência Política, na tessitura de sua narrativa. Com efeito, Maquiavel e Hobbes; Montesquieu e Rousseau aparecem em diferentes momentos da obra com uma função análoga a do coro grego; uma voz externa que ora interpela, ora dá sentido ao que os personagens fazem e dizem.

Ou seja, vocês devem ter percebido o quanto sua fã dessa bela obra.


Ah! antes que eu esqueça: caros amigos, leiam o livro. Continua atual e a governadora Ana Júlia bem que podia lê-la.

Aquele abraço,

Lauande.


11 comentários:

Anônimo disse...

O Jader já leu pra Ana Júlia esse livro. Parece que ela não gostou do jeito como ele leu pra ela, mas ela teve que aceitar..

Anônimo disse...

Lauande, aqui no Paraná eu queria também que o Requião lesse “Os Donos Poder”. Porque seu governo é demais de patrimonialista porque o Estado é visto é administrado, pela classe política do PMDM, como bem de família. É um absurdo!

Anônimo disse...

Este debate é muito bom que colocas aqui no teu blog. Aqui também no Rio de Janeiro a família Garotinho faz e acontece no patrimonialismo com suas redes de vínculo familiar, de obséquios e de compadrios que faz desse período de Rosinha e Garotinho uma história pelo aniquilamento das demandas populares e sim as “demandas populares do populismo” que eles querem. O Sérgio Cabral vai na mesma onda e com o apoio do PT e do PSDB. Vai ser consagração máxima triunfal do patrimonialismo dos Garotinhos.

Anônimo disse...

Ana Júlia não vai ler esse livro porque são os Monteiros que escrevem e dizem tudo pra ela...

Anônimo disse...

é foda lauande, mas vai te secretário da ana que diz que leu "os donos do poder" mas esqueçe, por isso já pensa em lotear a secretaria com a familia.

Anônimo disse...

No Pará os novos donos do poder mudaram. Agora o loteamento é entre "famiglias" e apadrinhados. Mudou a composição mas se mantém o formato.

Anônimo disse...

Ana realmente fez maior besteria de colocar os ex dela. Parece que são 06 ex. Ou 07? Sendo 06 ou 07, ela colocou de uma maneira que impossibilita ampliar as alianças políticas. Uma pergunta que não quer calar? O Lauande é viado ou ele já comeu a Ana? Acho que nenhuma situação: comunista só come criancinha, né?

Anônimo disse...

Caro amigo Lauande,
Já percebi que vão descaracterizar a Ana Júlia pelo prisma do preconceito.
Por dois motivos, eu enxergo: 1) num estado machista como o nosso e tendo uma mulher governadora isso cria inúmeros preconceitos. Já dizem que ela vai governar com os seus ex-namorados. Assim fazem com a Maria do Carmo ao dizer quem governa lá em Santarém é o irmão dela. No fundo do fundo do preconceito, isso tem haver com preconceito sim porque não dizem isso dos homens; 2) o segundo é contra o PT. O PT não é santo (apesar de que alguns petistas se acham beatificados), mas há sim um preconceito contra o PT. Isto é, tudo que vem da esquerda é complicado para as elites.
Portanto, amigo Lauande, a Ana Júlia, cedo ou mais tarde, vai perceber o quanto temos de preconceito. Ou melhor, se ela já não percebeu isso, mas talvez agora com maior intensidade porque ela é também agora governadora. Isso muda o quadro político do preconceito.
E o preconceito tem haver com os donos do poder.

Anônimo disse...

Vejam as frases que marcaram a verdadeira fisionomia do PT. Foi do petista Paulo Betti:

"Não dá para fazer [política] sem botar a mão na merda".
"Não estou preocupado com a ética do PT. Acho que o PT fez um jogo que tem que fazer para governar o país".
"Não vamos ser hipócritas: eu acho que não dá pra fazer política sem sujar as mãos. Veja até agora, na história da humanidade".
"Acho que foi Jean-Paul Sartre quem disse, acho que numa peça, algo como ”política é uma coisa em que você põe suas mãos e elas acabam sujas".

Anônimo disse...

Caro Lauande,
Antes de comentar a questão dos donos do Poder, pensei Maquiavel. Porque em debater a questão absolutamente incompatíveis com uma esquerda renovada são algumas
afirmações do "Pequeno Príncipe" ao negar a aplicação de conceitos morais e éticos na política, em trechos como o que abaixo transcrevo: "E por que não deve-se utilizar conceitos morais e éticos para uma análise competente de política? Pelo simples fato que são conceitos extremamente
individuais (você tem os teus, assim como eu tenho os meus) e que
dificultam a análise justamente por isso! O que eu estou tentando
demonstrar não é nenhuma idéia maluca da minha cabeça, mas algo que há muito os analistas da política têm feito. Para ser mais direto, esse tipo de análise política, a partir das especificidades do campo político,
remonta o tempo de Maquiavel, com suas obras políticas de grande
importância como "O Príncipe" e os "Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio". Certamente não tenho "O Príncipe" como livro de cabeceira. Lembro-me, porém, dos conselhos dados por Maquiável ao Rei para manter-se no poder. A desconsideração com razões de ordens morais e legais, a aceitação do uso de qualquer meio por parte do governante para impor sua vontade. O uso do terror sistemático para manter os governados submissos. Para Lenin Maquiavel era referência e modelo. Como figura histórica Maquiavel teve um papel progressista ao apoiar as monarquias absolutistas
formadoras dos estados nacionais e separar a análise do estado das idéias teológicas.
Para Lenin os métodos de Maquiavel se ajustavam como uma luva na formação do estado operário, a ditadura do proletariado. Lenin porém tinha objetivos generosos: a formação de uma sociedade socialista, onde o homem não seria
mais o lobo do homem. Tudo era justificado pela causa.
Nosso novo Pequeno Príncipe, que não é o antigo, o que erapreferido entre 9 de 10 misses, abandonou os objetivos, princípios e os ideais. Enfim a causa. Alguma vez o Pequeno Princïpe fala em igualdade, em sociedade mais
humana e solidária? Mas manteve a carcaça, a justificação para utilizar todo e qualquer meio na luta pelo poder. Isto é para vocês a nova esquerda?
Para mim o desenho que o personagem de Saint Exuperi fez que parecia um chapéu não é uma cobra que engoliu um elefante. É o significante vazio, o velho monstro totálitario recheado de oportunismo. Atenção, caro Lauande,
O Pequeno Príncipe é incompatível com a democracia!

Anônimo disse...

O anônimo das 10:25, além do preconceito contra uma mulher, parece que quer um terceiro turno da eleição. Perdeu, perdeu, amigo. Não tem terceiro turno. Curta sua dor de cotovelo de viver num Estado governado por uma mulher e pronto. Não custa nada. Do contrário vão pensar que você está a fim do Lauande ou de algum ex da Ana.