22 de maio de 2007

Os analfabetos de Mocajuba, do Brasil e do Mundo

Eu fico impressionado como este país pouco tem viabilizado melhorias ao analfabeto idoso. Não faz uns 10 meses, eu conversava com um camponês analfabeto em Mocajuba. Sem nenhum exagero: tive conclusão que eu tinha na minha frente um dos homens mais inteligente que conheci. Mas ele não sabe ler e escrever. Fiquei pensando o quanto aquele homem poderia ser ainda maior intelectualmente se ele fosse alfabetizado.

Ontem eu me lembrei dele novamente. Recebi do meu amigo e sociólogo Valério Costa uma produção da Fundação Perseu Abramo e observei que lá tem alguns resultados de uma pesquisa feita pela própria Fundação, entre os dias 1º e 24 de abril do ano passado, mas só agora divulgados.

Lá eu pude observar que quase metade dos idosos no Brasil é analfabeta. Para chegar a essa conclusão alarmista, as equipes de campo se utilizaram de um estudo mais específico, que pretendia saber quantas pessoas idosas já foram vítimas de algum tipo de violência – desde humilhações a agressões – dentro de casa ou fora dela, até mesmo por parte de motoristas de ônibus.


Eu sempre digo que há notícias que estimulam a auto-estima de um povo, outras a rebaixam. A que agora comentamos está na segunda hipótese. Digo isso porque segundo os pesquisadores que 3.744 pessoas – sendo 1.608 entre 16 e 59 anos, e 2.136 com 60 anos ou mais – foram ouvidas, em 204 municípios brasileiros.

O critério para definição do que é ser analfabeto coube aos próprios entrevistados com mais de 60 anos, muitos dos quais chegaram a freqüentar algum tipo de escola. Ainda assim, 45% do total se reconheceram totalmente analfabetos, enquanto só 4% sabem ler e escrever o próprio nome.


Quanto ao objetivo central da pesquisa, que foi feita em parceria com o Sesc-SP, foi constatado que a confissão de haver sofrido algum tipo de violência em razão da idade (36% do total) aparece apenas nas perguntas estimuladas. Quando a resposta é espontânea, o percentual cai para 15% (6% dentro de casa, 4% na rua, 2% ao tomar o ônibus ou dentro do veículo coletivo, 1% no atendimento médico-hospitalar) e os restantes em outras situações não muito bem definidas.


Apesar de tudo, 49% dos idosos também disseram aos entrevistadores que se sentem bem, contentes ou felizes com sua idade avançada. No que se refere ao aprendizado escolar, que em quase a metade dos casos não lhes foi útil à velhice, 44% disseram que gostariam de ainda estudar, sendo 7% no ensino formal, percentual idêntico aos que prefeririam ter aulas de tricô, crochê ou algum tipo de bordado. Mas 13% são mais ambiciosos: 4% deles prefeririam aprender alta costura, enquanto 6% se pudessem aprenderiam informática e 3% cursariam uma universidade.


Levantamentos feitos por amostragem são sempre bem-vindos. Há, porém, alguns estudiosos que chamam a atenção para o fato de que nem sempre representam um espelho da realidade, sobretudo quando têm o objetivo declarado de colaborar com a mudança de procedimentos sociais vigentes, famosa, nos meios acadêmicos, é a advertência de Sorokin (1889-1968) de que “há estatísticas e estatísticas”.


O conhecido autor fala de “subjetividade disfarçada quantitativamente”, antes de esclarecer seu pensamento, assim resumido: “Quando um estudioso começa a registrar a opinião e outros estados de espírito de seus interrogados, já injetou uma primeira dose de sua própria subjetividade em seu estudo quantitativo, tão objetivo em aparência. Ele a introduz mediante o caráter de suas perguntas, suas frases e sua organização de um número determinado de classes”.


Isso talvez explique o porquê das respostas discrepantes, de um mesmo número de entrevistados pelos pesquisadores da Fundação Perseu Abramo, em questões repetitivas, mas tomadas de forma espontânea, ou sendo estimuladas.


Embora se trate de um conceituado grupo de estudiosos das questões sociais, não se pode dizer que eles sejam “desinteressados”.


Mas daqui eu lamento que não exista, por parte do governo, uma política pública contundente contra o analfabetismo do idoso. E até poderia acrescentar: nunca houve, pois os velhos de hoje foram os jovens de ontem

2 comentários:

Yúdice Andrade disse...

Excelente post, Lauande, mostrando uma faceta cruel de nossa sociedade. Fez-me lembrar de uma tia velhinha que tive, falecida há dois anos. Era sábia, mas nunca pôs a mão num lápis. Mesmo assim, impressionava-me a sua lucidez. Poucas coisas me fazem tanta falta na vida quanto a sua companhia. Por isso, sempre me ponho a olhar os velhinhos na rua e me pergunto se estão desamparados, se sofrem.
Espero que esses dados possam ajudar algumas políticas do setor competente.

Eduardo André Risuenho Lauande disse...

Valeu, camarada pelo apoio.
Por sinal, tenho lido teu blog. Muito Bom, por sinal.