Amig@s,
Reproduzo texto escrito em 05/12/2006 pelo Lauande. Vale a pena relê-lo.
Edson Junior
Caros amigos,
Stanislaw Ponte Preta, o sábio Sérgio Porto, escreveu o FEBEAPA: FESTIVAL DE BESTEIRA QUE ASSOLA O PAÍS. Isso foi nos anos 60 e eu fui lê-lo nos anos 70. E uma coisa que me marcou, entre tantas na obra desse genial jazzista e cronista, foi que entre os temas que assolava o país com um amontoado de besteira era sobre a televisão. Stanislaw Ponte Preta dizia que tínhamos “todo santo dia as excrescências televisivas”.
Como vivíamos no período moralista da “Redentora” (apelido que Stanislaw Ponte Preta deu pra ditadura militar de 1964) era difícil chamar a palavra merda. Porém, essa merda continua todo santo dia televisivo. E o que é pior: com uma dosagem de barbárie. Barbárie mesmo!
Vejam esse exemplo.
Faz cerca de três semanas que tive o desprazer de ver um programa do Luiz Datena da TV Bandeirante. Eu estava numa ante-sala de um consultório médico e foi fatal: com a televisão ligada tive “obrigação” de vê-lo. Lá pelas tantas, vem um link da rua e o repórter diz ao Datena que um suspeito de um assalto de um supermercado estava sendo preso. Logo em seguida aparece o cidadão na imagem todo algemado. Aí o repórter disse: “Datena, esse é o bandido!”. No estúdio, Datena, todo raivoso, sentenciou: “Mostra a cara direito dele porque esse bandido tem de formar na cadeia”. Em seguida, o repórter entrevistou o delegado que disse algo bárbaro tanto quanto ao repórter e ao Datena: “o meliante vai ser preso imediatamente para averiguação de sua ficha e ser o for comprovado sua culpa, ele vai realmente mofar na cadeia”.
Agora vejam que interessante: nem o repórter, nem o Datena e muito menos o delegado conheciam o suspeito, mas de uma hora pra outra, ele virou bandido, ou seja, na delegacia e no estúdio da TV Bandeirante, ele foi julgado e sentenciado como bandido e sua pena era mofar na cadeia.
Definitivamente é a barbárie da excrescência televisiva. Porque o repórter, o Datena e o delegado sequer observaram que o princípio da presunção de inocência vem contido no Artigo 5º da Constituição Federal do Brasil. Porque também nessa mise-en-sène da excrescência televisiva, o Estado Democrático de Direito, do qual o Brasil é signatário, tem na presunção de inocência um de seus princípios, onde qualquer cidadão não poderá entrar no rol dos culpados pelo cometimento de ato ilícito se não for provado, pelo órgão ou ente apurante, que ele cometeu qualquer ilícito ou falta disciplinar.
Acontece que na ânsia de fazer Ibope, o Datena criou as chamadas “provas diabólicas”, que são ditas de maneira irregular e não são admitidas judicialmente, pois o acusado no processo não tem que provar que é inocente de qualquer acusação a ele imputada. Quem tem o dever e a obrigação de provar a culpa é o Poder Público.
Só que o Datena não fica sozinho nessa barbárie da excrescência televisiva. No mês passado, o senador Jefferson Peres tentou barrar o horrífico Datena. Na ânsia ser mais lacerdista que a direitosa Heloisa Helena, o parlamentar amazonense foi entrevistado pela TV Senado sobre a sua relatoria no processo do Conselho de Ética na acusação contra o senador Ney Suassuna de ter participado da máfia das sanguessugas. Na entrevista, o senador Peres disse essa pérola lacerdista: “Não tenho provas contra ele, mas vou acusá-lo porque uma ex-funcionária assinou em seu nome um pedido de liberação de recursos”.
Essa frase desse senador lacerdista é um acinte contra democracia porque não há provas da participação do parlamentar paraibano no esquema de compra superfaturada de ambulâncias e ainda mais ninguém pode ser condenado porque não previu que pessoas de sua confiança o traíram.
Tanto o Datena quanto o senador Peres fazem parte de um escarcéu midiático justiceiro que acredita que condena as pessoas tudo no “a priori” e que todos são bandidos e os ditos bandidos, pasmem, têm que provar suas inocências.
No âmago dessas posturas lacerdistas, eu observo que a criminalidade, crescente vem dando azo à manifestação de setores da sociedade que, cada vez com mais freqüência, pedem o recrudescimento do sistema punitivo estatal. Já se nota um aumento dos que defendem penas severas, como a da lei hedionda (crimes hediondos), de morte, e até de banimento, ou seja, a que transforma cidadãos em seres apátridas (bem dizia Sobral Pinto).
Eu tenho visto também que impulsionados pela mareta de terror causada pela delinqüência, magistrados vêm fazendo ecoar tal sentimento, maximizando o aspecto retributivo da pena, fazendo do direito penal panacéia para erradicação da insegurança social.
Digo porque há muito já venho notando o endosso de certos juízes às grandes e “midiáticas” operações policiais, causando certo desassossego aos tribunais quando se vêem na obrigação jurídica de reparar as decisões ilusórias, mistificadoras, e até certo ponto “kamikazes” de seus colegas das instâncias mais singelas.
Recentemente eu vi várias operações da PF que colocam sujeitos de algemas e outros sinais capitaneados pelo “espaço de consenso” - criado pelos adeptos do símbolo como forma de inebriar a sandice lacerdista, para, em tão somente poucos dias, soltá-los sob a alegação de que as razões iniciais de suas prisões não estariam mais presentes.
A conseqüência de tamanha atitude está diretamente voltada na crença da impunidade – primeiro, se cria o abalo da ordem pública com a própria prisão de alguém com status de autoridade, para depois soltá-lo sem mais razão e explicação, criando nos jurisdicionados sentimentos de descrédito no Judiciário que, de início, pensou estar fazendo o correto.
Não sou advogado e muito menos jurista, mas sei, através da sociologia jurídica, que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e limitador do poder criminalizador. A ela até os juízes (intérpretes maiores da norma) estão, visceralmente, sujeitos. Portanto, a realidade construída por parte da imprensa gera péssima política de segurança, impondo aos agentes políticos e judiciais discursos cada vez mais próximos daqueles da barbárie.
Sou assim admirador de Bobbio que dizia que o segredo da democracia, seguramente, não está na “maioria circunstancial e, sim, no respeito dos direitos das minorias”. E o querer dessa faceta midiática está sendo construído sob as bases de um fundamentalismo anti-jurídico, sempre à mercê dos interesses autoritários e contra os ideais do direito penal mínimo.
E, deste modo, caso julgado e condenado, aos bandidos deve-se propalar comiseração, recuperação, tratamento, e não ódio.
Ou será um sonho deste comunista?
Aquele abraço,
Lauande.
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