21 de dezembro de 2006

Humberto Cunha x Jarbas Passarinho

Eu continuo com a secção aqui no blog: "O cantinho comunista". Esse mês é do meu amigo Humberto Cunha. Hoje vou colocar uma provocação que fiz com ele no dia 21 de dezembro de 2001. Ou seja, faz 05 anos esta conversa abaixo entre nós. O tema girou sobre Jarbas Passarinho
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Caro amigo Humberto Cunha,

Ora, meu impoluto amigo Humberto Cunha, o Coronel Passarinho é o nosso intelectual orgânico da direita militar clássica. No bojo de um positivismo puro. Mas o importante é que ele vem discutir isso na democracia. Algo sempre penoso na construção do seu passado. Lembras da frase da reunião no AI-5? Pois é...ele vai morrer com essa cruz de palavras que o Zuenir Ventura nos contou (ehehehe!). A democracia nunca será uma boa perspectiva de futuro, portanto, na cabeça do Coronel acreano.
Aquele abraço,
Lauande.
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Caro amigo Lauande,
Sei que é difícil as pessoas mudarem aos setenta anos, mas já vi muito giro de quase cento e oitenta graus nessa idade. Lembro-me, na clandestinidade, em 1970, fazia poucos meses que o Passarinho tinha me aplicado o Decreto 477, e nós discutíamos o que fazer, como construir uma frente única antiimperialista. Mal tínhamos dinheiro para um arroz com feijão e o Coronel se banqueteava com escocês legítimo em Brasília. Não tínhamos sequer unidade na esquerda, cada pequeno grupo fazia sua pequena luta, mas queríamos construir a frente popular, dentro de um raciocínio não menos positivista do que o dos ditadores de plantão: primeiro construímos o partido, na prática; enquanto isto, construímos na teoria a frente popular e, na prática, algum movimento popular radical; lá na frente, teremos um partido e uma frente única antiimperialista, capaz de dirigir e realizar um processo de libertação nacional e iniciar os passos rumo ao socialismo. Se não vingou na prática, teve o mérito de não nos deixar imobilizados, petrificados de horror diante do terror ditatorial. Bem, falas em busca do comum. Qual era a questão que discutíamos em 1970? Queremos uma frente única, não vemos alternativa pacífica para o fim da ditadura e a transição sócio-político que pretendemos. Qual o alcance dessa frente única? Como tratar as figuras da ditadura? Porque, parece evidente, se queremos vencer um regime político, uma das dimensões a construir é fazer descolar pessoas desse regime que possam aderir à nossa proposta, avaliá-la, criticá-la, reconstruí-la noutra dimensão do processo. Cada um que tirar de lá e colocarmos de cá vale dois: menos um para eles, mais um para nós. Exemplificando: cinqüenta e um menos quarenta e nove é igual a dois, eles vencem; cinqüenta menos cinqüenta é igual a zero, empatamos. A diferença entre dois e zero é dois. Até aí, a juriti cantou, estamos todos entendidos, ninguém precisa ser marxista ou weberiano para acompanhar esse raciocínio. Qualquer um com entendimento das operações matemáticas básicas o faz, Descartes explica. Mas, esta questão simples não era simples para todos: havia divergências quanto a isto.
Quanto a mim, lembro-me de ter colocado numa das nossas discussões o seguinte: tomemos o exemplo do coronel Passarinho. Ele acaba de me obrigar à clandestinidade e a me proibir de estudar em qualquer universidade por três anos. Todavia, até onde sei, ele tem suas veleidades nacionalistas. E se os americanos continuarem a tomar pau no Vietnam e decidirem que precisam garantir a América Latina a qualquer custo? Ou, pelo menos, a Amazônia? E se, para isto, decidirem invadir militarmente o Brasil, passando por cima das alianças do momento? Neste caso, os militares brasileiros se dividirão, alguns apoiando e justificando esse tipo de invasão, enquanto outros ficarão contra. Montado este cenário, e se o Coronel ficar do lado que decidir sublevar-se contra a invasão estrangeira? Eu digo que ficarei do lado dele, mesmo continuando a criticá-lo. Nossas montagens de cenário (que nós chamávamos então "teatro de guerra", numa visão estratégica de guerra popular prolongada) e hipóteses de comportamento nos cenários montados iam por caminhos assim como estes que estou descrevendo.
Enfim, hoje eu coloco questões como as seguintes para os meus alunos e para os debates de que participo aqui no Rio Grande do Sul: dadas as condições em que nasceu o positivismo gaúcho, ele teve importância primordial para todo o Brasil. Tanto que, na década de trinta, os dois líderes que polarizam o país, à direita e à esquerda, são gaúchos e positivistas. Vargas, de um positivismo intelectual (em que pese o seu caráter caudilhesco, de homem de ação política) e Prestes de um caudilhismo militar (em que pese o seu caráter de formulador de propostas e formador de opinião). Ambos, portanto, homens de ação e de intelecto. O desenvolvimento de ambos, posteriormente, e ainda esteja pouco estudada, no meu entender, a influência dos respectivos pensamentos (Vargas, na sua mescla de positivismo com nacional-socilismo e Prestes, na sua mesma de positivismo com marxismo). Neste contexto, penso que para qualquer brasileiro interessaria que fossem aprofundados temas como o seguinte: qual, exatamente, o papel do Colégio Militar de Porto Alegre na formação da liderança militar do golpe de 1964? Afinal, não tenho as informações exatas, mas, ao que parece, ali lecionaram Médici e Geisel, bem como estudaram (numa mesma época?) Castelo Branco e Passarinho, entre outros golpistas.
Bom, sei que não devo prolongar demais uma única mensagem, todavia pareceu-me pertinente estabelecer links entre as temáticas. Quem sabe isto nos ajuda a pensar décadas ao invés de apenas meses ou anos?

Um abraço,
Humberto Cunha.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que debate interessante. Estou acompanhando teu blog.