31 de julho de 2007

Sociologia da violência

Na era das listas - parece passado distante, mas foi quase ontem - eu e Lauande fundamos a lista Democracia, que ganhou vida própria e tem inusitada vitalidade até hoje.
Dela retiro uma contribuição destinada à polêmica, bem ao gosto dele.
É de Raul Paixão o texto abaixo.
Aos Amigos e Companheiros.

Estou consternado com a morte de Eduardo Lauande; o assassinato de Lauande, sem meias palavras. Vítima da violência urbana, vítima de bandidos.

Os da esquerda – penso que Lauande subscreveria esta hipótese de trabalho – precisamos abandonar o cacoete de debitar ao capitalismo todos os males do mundo; não é bem assim. Nem toda violência – inclusive a que assassinou Lauande – tem causas sócio-econômicas. A minoria tem causas sócio-econômicas, isto sim, sou tentado a escrever.

Que a morte de Lauande – enquanto sociólogo brilhante, professor de sociologia, comunista e democrata que era – nos faça repensar nossa sociologia da violência. Seria uma maneira de vingar sua morte e de não esquecê-lo.

À sua família, aos seus amigos e companheiros de Belém, e de todo o Pará, minha tristeza e minha desolação.

Eduardo Lauande: presente!

Raul Paixão
30/jul/2007
Valeu, camarada Raul Paixão.
JOSÉ DE ALENCAR

2 comentários:

xicopoty disse...

Aos continuadores dos ideais de Lauande

Eu estou como todos os que conheceram Lauande, chocado e desnorteado com a sua morte, não só pela forma, mas pelo absurdo como aconteceu.

Lauande era um verdadeiro humanista, no amplo e mais absoluto sentido que esta palavra possa ter. Era uma pessoa única, na sua desbragada e escancarada defesa da democracia, e dos direitos verdadeiramente humanos.

Eu conhecia Lauande, há bem mais de vinte anos, e pude militar com ele durante alguns anos no PPS, partido que ele estava desfiliado, ao que eu saiba, por divergências com a direção estadual. Apesar de sermos do mesmo partido, eu sempre tive muito mais divergência do que convergência com Lauande, na compreensão da política, mesmo porque tínhamos origens distintas, com a unidade de continuarmos nos considerado comunistas, talvez de formas diferentes.

Lauande era muito estudioso, obstinado e possuidor de um vasto conhecimento, que impressionava aos que tivessem a paciência de escutá-lo, mesmo que divergindo.

Os que o atacavam, quase sempre o faziam sem embasamento ou argumentos, apelando para baixarias e covardias, que não era um defeito que ele possuísse, pois enfrentava as diferenças de peito aberto e com uma franqueza que ás vezes chocava os despreparados para o verdadeiro debate.

Eu o encontrei pela última vez, muito recentemente na SEPOF, onde pudemos brevemente conversar e trocarmos idéias sobre a conjuntura política, os governos do Lula e da Ana Júlia, no que voltamos a divergir na análise.

Eu lembro de uma discussão que tivemos, na Assembléia Legislativa, na presença de um terceiro companheiro do PPS, sobre a violência e os direitos dos menores infratores. Naquele momento, que era recente ao episódio do menor que foi arrastado pelas ruas do Rio de Janeiro, o terceiro companheiro, defendia a morte para menores que cometessem crimes bárbaros, Lauande que junto comigo, defendia formas humanizadas e verdadeiramente ressocializadoras para estes menores apanhados em situações de crimes, foi interpelado, que se tivesse um familiar morto, não pensaria assim, no que repetiu que mesmo que se assim o fosse, continuaria pensando do mesmo jeito. Usou argumentos demolidores e substanciais na defesa das posições que denfendíamos em comum, no que me deixou um pouco mais admirador dos seus conhecimentos, pela sua franqueza e coragem.

Era este Lauande que eu respeitava e admirava. Um Lauande que quando me encontrava no Mangueirão, estava sempre de muito bom humor e lembrando de deliciosas histórias sobre o Payssandú, e demonstrando, como sempre fazia, sua paixão e amor escancarados por aquilo que gostava: seus familiares; sua esposa; o Payssandú e a democracia.

Tomei conhecimento sobre o episódio nefasto do seu baleamento, somente após a sua morte, na tarde do sábado, através de um telefonema de um amigo partidário, que me informou do fato. Por razões outras, eu não havia lido jornais e nem acessado a internet. Foi um choque, como poucas vezes me ocorreu na vida. Somente com o passar das horas fui me dando conta, do que isto representava como perda.

Não fui para o seu velório, porque tenho um bloqueio pessoal contra este tipo de evento. Não consigo tratar muito bem com a realidade da morte. Não sou religioso, nem acredito em deuses, mas espero que seus familiares, de alguma maneira consigam encontrar forças, para tentar superar esta dor lacerante.

Prefiro permanecer com a imagem de Lauande com seu sorriso fácil e franco, com a sua bonomia e a sua capacidade de tirar um sarro no bom sentido, com a cara de todo mundo.

Era um sujeito raro e daqueles que valiam a pena conhecer, vou aguardar mais algum tempo para tratar pessoalmente com a Milene e com o Flavinho, mas imagino o péssimo estado em que se encontram.

O tempo vai passar, e infelizmente só Lauande não voltará, mas os seus ideais e os bons combates que travou, encontrarão sempre outras pessoas para levantar suas bandeiras, talvez não com o mesmo brilho e denodo, mas continuarão sendo travados. Que o tempo traga uma sociedade mais justa e igualitária, para todos os humanos, inclusive para os pobres diabos que o assassinaram.

Francisco Potiguara Tomaz – Indigenista e Comunista

Anônimo disse...

Bem à propósito esta postagem. Pensando sobre este e outros assassinatos, sobre a violência em geral no Brasil, hoje pela manhã, postei no meu blog, o seguinte:

A violência tem encafifado muito gente.
Será que é culpa do sistema?
Será que é culpa do Estado?
Será que é culpa do capital?
Será que a culpa é nossa?
Será que a culpa é tudo isso?
Será que não é questão de culpa?
O que será que será, que vive nas entranhas...?

Seja para entender, seja para embaralhar de vez, recomendo a leitura do livro A Agenda do Velho Comunista. Se não tiver mais à venda, empreste-o de alguém. Se não tiver alguém para pedir emprestado, passe lá no Sítio do André, Estrada Velho Oriboca, nº 3000, Marituba, que o Seu André lhe conta.

Sinópse do livro:
'A agenda do velho comunista' é um livro de ficção sobre a diáspora dos militantes de esquerda que viveram a repressão do regime militar. Uma história sobre o enfraquecimento da vida política em meio ao dia-a-dia. A trama que se passa em uma comunidade na região metropolitana de Belém do Pará, onde vive Pedro, ex-militante que tenta lidar com as transformações e com a crescente violência em torno do seu sítio, ao mesmo tempo que discute a vida e marxismo, e recorda o seu passado na ocasião da morte e do velório de Adamastor, velho dirigente comunista. As angústias de Pedro, narrador e protagonista do livro, convivem naquela região entre a mata que desaparece e as favelas que brotam de ocupações, os políticos e a polícia inepta, refletindo sobre um amplo passado de sonhos, e das memórias dos embates políticos e sobre um presente com cada vez menos horizonte. Retrato do ascetismo e da disciplina dos comunistas ortodoxos, Adamastor morre assassinado. O crime, um latrocínio cada vez mais banal na região. Na agenda que ele sempre carregava e que se recusou a entregar aos assaltantes, as marcas de um outro tempo e de uma vida dedicada à luta por transformação, no extremo norte das contradições do país. Na memória, no jeito e nos hábitos dos personagens do livro, os andares e os desandares dos ativistas atingidos pelo golpe de 1964, iluminando amizades, amores e esquecimentos muito mais subversivos que aqueles imaginados pela repressão.